"...visitei a Índia e decidi pedir a pessoas de diferentes partes do país que me definissem "caril". A maioria das pessoas a quem perguntei teve dificuldade! Não é que ninguém conheça o caril, mas conhecem-no tão bem que não o podem definir genericamente. Significa coisas diferentes para pessoas diferentes.
Essencialmente, qualquer peixe, carne ou legume, cozinhado em ou com especiarias e líquido é caril. As especiarias e o líquido formam um molho que se torna parte do prato. São as especiarias ou a combinação de especiarias que diferenciam cada caril. O método de confecção vai do simples ao sublime - nalguns casos pode ser tão simples como cozer num caldo com especiarias, enquanto que noutros pode ser uma complexa combinação de fritar, assar e estufar."
em Caril, Civilização Editora, 2007
Com o tempo este tipo de culinária espalhou-se pelo mundo e hoje em dia existe sob diversas formas em diferentes partes do mundo. Com origem na Índia, onde existem diferenças entre o Norte da Índia (com base em equipamentos e ingredientes que vieram da Pérsia e do Médio Oriente através do Afeganistão e do Paquistão), e o Sul da Índia (onde a culinária foi construida pelos nativos da região, os Dravidianos), muitas outras regiões adaptaram e criaram o seu próprio caril: na Tailândia, desenvolveu-se um caril com complexidade nas especiarias, leveza do toque e profundidade de sabor; no Sudoeste Asiático Continental - Cambodja, Laos e Vietname - o caril foi adaptado para incorporar os sabores locais e ingredientes desta zona do mundo. Chegou a África, Grã-Bretanha, Caraíbas e Japão.
Sobre as especiarias e o modo de cozinhar podiamos estar horas a falar...ficam aqui algumas curiosidades, muitas mais poderão encontrar no livro sobre o Caril que já mencionei:
A culinária do Norte da Índia tem as suas raízes na Pérsia, de onde é originário o tandoor, um forno de argila cilíndrico utilizado na culinária e panificação; com a chegada do tandoor pelos invasores muçulmanos, começou o grande fenómeno da culinária "tandoori", que se espalhou por todo o mundo e tem, juntamente com o caril, representado a cozinha Indiana. Com regiões de diferentes climas, encontramos em zonas áridas pratos com caça (veados, javalis, etc), raízes bagas e frutos secos. O iogurte é usado para cozinhar e como bebida pois é refrescante. Nas zonas de clima mais moderado abundam os lacticínios, bem como os legumes frescos, e existe criação de galinha e cordeiros. Finalmente nas regiões onde a terra é mais fértil abunda o arroz e os legumes, e também o peixe quando há proximidade ao mar. Pelo facto da maioria dos Indianos do Norte serem hindus e muçulmanos, que estão proibidos pela sua religião de comerem, respectivamente, vacas e porcos, cerca de 65% da população é vegetariana, o que explica o grande número de pratos de caril vegetarianos.
Apesar das invasões, do comércio, das conversões religiosas e da modernização, a essência cultural do Sul da Índia foi conservada. Após a independência dos Ingleses, o Sul da Índia foi dividido em 4 estados. Com uma população maioritariamente hindu, a culinária é predominantemente vegetariana. Os Indianos do Sul têm muito respeito pelo valor terapêutico dos alimentos, pelo que seguem os princípios da aiurveda na sua alimentação, sendo as refeições muito idênticas em toda a região: um monte de arroz numa folha de bananeira, com diversos pratos vegetarianos ou de carne à volta e pickles, organizados para equilibrar os sabores e dar riqueza nutritiva. Dão preferência a ingredientes frescos, como o gengibre, folhas de caril e coco. A maioria dos pratos é salteada ou cozida primeiro e depois cozinhada em massas masala à base de coco. O toque final é "temperar" o prato com folhas de caril aromático, sementes aromáticas de mostarda e o sabor das malaguetas vermelhas secas, que tornam tão especiais os caris do Sul.
Vindaloo de porco
Esta receita tem origem em Goa, onde a culinária combina as influências Portuguesas com os picantes sabores Indianos. Os pratos Vindaloo são feitos pelas famílias Goesas para as celebrações do Natal. O que o torna especial é a combinação de caril de especiarias com vinagre. Tradicionalmente acompanhado por arroz vermelho, também é bom com arroz branco.
Ingredientes:
Para a massa de especiarias:
1 c. chá de sementes de cominhos
4 vagens de cardamomo
4 cravos da Índia
1 pau de canela
5 grãos de pimenta preta
1 malagueta verde picada (usei vermelha pois não encontrei verde)
1 pequeno pedaço com cerca de 2,5 cm de gengibre fresco picado
4 dentes de alho, descascados
3 c. sopa de sumo de limão
Para o prato:
900 gr de carne de porco sem osso, cortada em cubos
4 c. sopa de óleo vegetal
5 dentes de alho picados bem finos
2 cebolas picadas
1 c. chá de curcuma (açafrão em pó)
1/2 c. chá de malagueta em pó
1 c. chá de polpa de tomate
3 tomates sem pele e grainhas, picados
3 c. sopa de vinagre de vinho ou sidra
sal
uma pitada de pimenta preta em grão, triturada
1 c. sopa de coentros picados
Preparação:
Começar por preparar a massa de especiarias: triturar muito bem os ingredientes secos até obter um pó fino. Misturar com a malagueta, o gengibre, o alho e o sumo de limão até obter uma pasta fina.
Misturar a carne de porco com a pasta numa tigela. Tapar com película aderente, deixar a marinar num local fresco, durante cerca de 1 hora e meia.
Aquecer o óleo numa frigideira, juntar o alho e saltear durante 1 minuto. Juntar as cebolas e cozinhar até alourarem, mexendo de vez em quando. Juntar a curcuma, a malagueta em pó, a polpa de tomate, os tomates picados e o vinagre e misturar bem.
Juntar a carne de porco e sal a gosto. Cozinhar durante 10 minutos, mexendo de vez em quando. Deitar 275 ml de água e deixar levantar fervura. Reduzir o lume e deixar cozinhar durante 30 minutos, ou até a carne estar pronta e o molho espesso.
Juntar a pimenta-preta moída e servir quente, guarnecida com os coentros picados.
O arroz vermelho é cozido em água a que se junta anis estrelado e sementes de cardamomo.
Adaptado de : Caril, Mahmood Akbar, Corinne Trang , Sri Owen e Das Sreedharan, Civilização Editora, 2007